quinta-feira, 9 de julho de 2015

Essa menina sem seca

Foi assim que ele me definiu. Como se fosse hoje eu me lembro do seu corpo franzino, olhar doce e braços descansados sobre as pernas cruzadas. Não me sai da lembrança o carinho instantâneo e a identificação ligeira que tivemos um pelo outro. Eu cheguei, invadi a casa com data de última reforma estampada no alto da porta principal e pedi uma roupa emprestada para molhar na cachoeira dali. A sua amada esposa, com sua generosidade a flor da pele abriu o baú e me deu uma bermuda e uma blusa que sua filha havia deixado lá, caso precisasse quem sabe tomar um banho de cachoeira. Eu não esperei o dia esquentar, nem as vacas voltarem pro pasto e nem acabarem de dar o seu leite. Fui como se não houvesse amanhã. E o banho foi o melhor dos últimos tempos. A água que revigora, ao som da voz de Hélio que se impressionava com a minha entrega. Entrega ao poder da vida, à magia do estar vivo, à oportunidade de perceber que a morte ainda não chegou. E um dia ela chega. Ela vem assim como um bote de uma cobra sorrateira. Ela chega e vai embora. E ela leva com ela o Seu Antônio. O meu velhinho lindo de corpo franzino e mãos que descansavam sobre as pernas cruzadas. Essa danada dessa vida não me avisou que a visita à casa de Seu Antônio seria a última. Eu só tomei um banho de cachoeira lá. Ninguém mais sabida do que eu. Eu fui, eu me apaixonei por ele, eu tomei banho de cachoeira, eu gravei ele e a moda de viola dele com o sobrinho, eu cantei e me emocionei junto, eu caminhei com ele até lá no alto da montanha para vermos a plantação e eu adorei tudo a ponto de achar que estava sonhando. Que em meus sonhos nunca falte tudo de bom que vivi lá na casa de fazenda do interior de Minas Gerais. Saudades que nunca vão me deixar, igualzinho ao som da chuvinha que caia branda assistida da sua varanda com o senhor do meu ladinho contando histórias que eu já não me lembro mais.

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