domingo, 24 de maio de 2015

No ofenses

Eu gosto de algumas palavras e expressões na mesma medida que desgosto de outras. No ofense é um termo em inglês que eu adoro. A mim parece uma autorização plena de se dizer qualquer coisa em seguida, desde que a frase se inicie com essa expressão mágica. Que ninguém se sinta ofendido com o que eu vou escrever e só porque comecei a frase assim crio coragem para dizer que cozinhar é para quem gosta de correr riscos. Começa logo quando se escolhe o que vai ser preparado. Se pensar em culinária japonesa, pense também em quem vai convidar para degustar os bichinhos crus, porque um bom número de gente já deve desistir só de pensar no assunto. Podemos pensar em um belo prato árabe, um bom hamburguer artesanal, um escondidinho de seja lá o que for, e qualquer outra coisa que vier à mente. Sempre há quem seja todo cheio de restrições a gostos, texturas e temperos. Passado esse risco, sobram muitos outros. Mesmo que as pessoas gostem do prato, elas podem não gostar do seu prato. Tempero de mais ou de menos, textura certa ou errada, mais ou menos tempo de forno, mais ou menos quantidade de molho, de recheio, de cobertura, de tudo quanto há. O cozinheiro tem que ser muito corajoso e forte. O fracasso é quase inevitável e a sensibilidade que pode ser o trunfo para um sucesso absoluto em uma ocasião pode acabar com a sua carinha feliz logo na primeira garfada de quem não curtiu o que você fez. No entanto, na minha opinião, o pior de tudo é a neutralidade do ser humano. A pessoa come tudo mas não se emociona. Não tem nenhum comentário, nenhuma expressão facial, corporal, mental. Nada. A vontade interior é de perguntar. E aí? Curtiu? Achou gostoso? Mas isso é mais arriscado do que ouvir uai em Minas Gerais. Ao fazer essa pergunta aberta, as possibilidades de resposta são infinitas embora nada doa mais do que o comentário mudo. A pessoa não se manifesta pra lado nenhum. Nem acaba com você nem te elogia. Esse risco é o pior de todos porque além de não ter provocado o tão sonhado hummmm, nem mesmo a crítica te ajuda a mudar o rumo do barco na próxima viagem. Pra finalizar, vejo muita semelhança entre quem gosta de cozinhar e mulher de malandro. Ela sabe de tudo que pode dar errado e começa tudo de novo como se nunca nada tivesse acontecido. Tudo de novo, sempre. Mas nunca tudo igual sempre. Tá aí. O que move o mundo é a crença desde o começo que o melhor está por vir.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A princesa e o príncipe

"Tanto Amos como eu éramos pessoas críticas e dadas a discussões, ele até mais do que eu, mas durante os anos de nossa colaboração, nenhum de nós rejeitou de imediato nada do que o outro disse." A minha intenção era começar esse texto dizendo que a minha amiga Larissa me emprestou um livro e ao ler a página 13 eu me deparei com essa frase que diz muito sobre mim e algumas pessoas com as quais exercitamos sem esforço o não rejeitar de imediato o que o outro diz. No entanto, antes mesmo de dar continuidade ao pensamento que já se transformava em palavras eu me lembrei do porteiro do prédio da minha mãe. O nome dele é Jaílson e a minha mãe coloca um Seu na frente por um motivo incerto, mas provavelmente deva ser pela nossa famosa mineirice. Com seu ou sem seu, ele foi meu anjo da guarda por um dia. Eu fiz uma grande besteira com o carro do meu pai na garagem de casa de anão que o prédio dele me oferece. O carro caiu no buraco da garagem de prédio de anão e, quando eu já estava prestes a chamar os bombeiros heis que a porta bate e quando eu vejo sai de lá o meu príncipe do Ébano do mundo gay. Eu apostei todas as minhas fichas nele e deu certo. Ele desistiu de enfrentar a frieza daquela tarde em São Paulo rumo ao aconchego da sua liberdade pós horário comercial e decidiu ajudar a mim, a energúmena que deixa o carro cair no buraco entre a rampa de entrada e a vaga minúscula do prédio de anão dos meus pais. "Vem mais um pouco, só mais um pouco, para!, desenrola, desenrola tudo, pro outro lado, para!, tô pensando, mais um pouco pra cá, só mais um pouco, para!, deixa eu ver..." Esse riquíssimo monólogo não se transformou em diálogo até que, depois de muito deixar esperar o pobre condômino que saiu do seu apartamento com a simples intenção de sair da garagem para ir fazer sei lá o quê com a sua esposa, eu consegui! Nós conseguimos! O meu príncipe do Ébano do mundo gay me tirou dali! Uau! Que alegria. Pronto! Se já éramos muito educados um com o outro, viramos amigos! O melhor está por vir. Na minha visita corriqueira próxima, eu me dou conta que o porteiro da vez que estava dentro da cabine quentinha de vidros foscos e escuros era ele! Ah, que alegria! Tudo bem Seu Jaílson? Como vai a vida? E o senhor gosta de frio? E ele responde. Oi! Tudo bem! Ah, eu adoro! Me lembra Londres! Para quem conhece o meu jeitinho muito apelidado de tudo quanto é nome de rir, não vai ser difícil imaginar o volume no último da minha gargalhada ao ouvir que ele nunca foi pra Londres não, mas viu num filme! É de gente espirituosa assim, sem nem mesmo mencionar bondosa assim, que o mundo precisa. Amo muito tudo isso! Amo também pessoas como a minha amiga Larissa, que além de me emprestar livros, também é como eu uma pessoa crítica, posso até dizer que menos do que eu, e que nenhuma de nós, de imediato rejeita nada que a outra diz. Amizades profundas em tempos de cólera e em tempos de superficialidade eu não sei se serão tão comuns assim, mas que eu adorei ter conhecido a minha princesa dos países nórdicos, ah, isso é fato!

terça-feira, 19 de maio de 2015

Estive pensando nessa palavrinha aí, essa tal de fé, e me veio à mente as tantas vezes que eu já ouvi falar nela. Sou filha de uma família com descendências portuguesas desconhecidas nos hábitos diários, mas bem nítida na assinatura do meu nome que começa com Maria e depois de muito escrever termina com Guimarães. Acho que filha de turco é que eu não deva ser. E como boa mineira, minha família, principalmente por parte de mãe, tem muita relação com a igreja Matriz, com toda a pompa que esse título lhe reserva, lá do centro de Itaúna, lá em Minas. Eu ouvi pessoas rezarem durante toda a minha infância, vi benzedeiras curarem, familiares e amigos de familiares se empetecarem para irem à Matriz no domingo pela manhã. Íamos à pé. É um orgulho sem tamanho para mim poder dizer que vivi isso. Saíamos todos juntos, todos arrumados e unidos caminhando pela rua afora, pela pequena gigante Itaúna, conversando e nos vendo, rumo à igreja Matriz. Eu tenho lembranças incríveis dessas andadas que enchem meu coração de alegria . Íamos à igreja sim. Eu não me lembro do sermão do padre, mas eu me lembro dos momentos que vivíamos ao celebrar esse ritual que até hoje é tão importante para minha mãe. E muito se falava sobre fé. Tenha fé. Acredite. Não fraqueje na sua fé. Eu hoje não acompanho mais minha mãe nos rituais da igreja. Não vou à missa todos os domingos. Na realidade eu me lembro de ter entrado em algumas igrejas que estavam ao longo do meu caminho e ter tido um momento especial. Atualmente isso acontece esporadicamente e de forma imprevisível. No entanto, talvez por ter assistido à muitas missas durante a minha infância, ou talvez por ter aprendido que para algumas coisas resta apenas a crença no invisível, eu conviva bem com ideia de ter fé. Eu acredito que tudo que a vida me apresenta tem uma razão de ser. Eu nem sempre vejo o sentido claro e real das coisas, no entanto, o mais legal de tudo isso é que eu hoje não tenho interesse em vê-lo. A mim não faz diferença se o propósito de algo que me acontece é claro ou obscuro. Eu curto tudo. Tudo de bom que me acontece eu celebro e também sou grata a todas as frustrações que tenho. Pode parecer bem piegas (eu não sei bem o que essa palavra significa, mas gosto dela) dizer que o que de ruim me acontece aos meus olhos parece bacana, mas, sinceramente, do fundo do coração, eu estou bem orgulhosa de mim por não ficar triste e nem desesperada com tudo aquilo que normalmente seria motivo de muitas lágrimas e sofrimento. Eu tenho fé e acredito no que eu não vejo. Estou convicta que a felicidade é uma escolha. Eu escolhi ser feliz. É claro que não consegui sozinha. Mas escolhi pessoas que me ensinaram isso ao longo da vida. Eu escolho, ao acordar todos os dias, como o meu dia será. E ele será  sempre incrível, independentemente do que for apresentado à mim. A probabilidade de todos nós morrermos é muito alta. Faça escolhas todos os dias que prezem por fazer o que gosta, encontrar quem você ama e rir de tudo, o que pode até ser desespero aos olhos de muitos, mas pra mim, é só uma forma de ver o mundo.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Poderia ser um anjo.

O nome dele é Gabriel e poderia ser um anjo. Mas ele é o menino de 15 anos que parece ter 25 e que acha gente de 35 demasiadamente velha. Ele poderia ser um anjo, mas ele é o garoto que aos 14 anos sentou a cadeira da escola nas costas do diretor que o chamou de mendigo pegando-o pelo colarinho. Ele poderia ser um anjo, mas ele é o rapazinho que me pediu comida hoje pela sacada do restaurante em que eu estava a pensar na vida. Ele é o Gabriel de olhos arregalados que eu desconfiei estarem excitados pelo uso de algum narcótico. Se tem uma coisa que Gabriel nega é que usa drogas. Em contrapartida, ele não nega que acabou de perder a mãe esses dias pra trás e que acha que vai perder o pai que anda abusando da bebedeira. Ele não é mais o Gabriel que mora em Diadema. Agora ele mora na área do metrô Ana Rosa, em uma invasão ao lado de um lugar aonde há alguém que de vez em quando dá comida para ele e para outros. Ele tem uma cicatriz no rosto e apesar de ser um pouco franzino é forte o suficiente para conseguir honrar com a palavra que me deu ao apertar minha mão. Ele não vai se envolver com drogas. Ele vai tentar fazer algum trabalho para ganhar algum dinheiro. Ele vai pedir desculpas para o diretor da escola e tentar voltar a estudar. Ele me prometeu. E ele também me agradeceu. Não somente pela marmita do restaurante em que eu estava pensando na vida. Ele me olhou nos olhos, ele apertou minha mão que estava estendida, ele deixou o queixo cair um pouco porque ele estava um tiquinho espantado, apesar de agradecido. Eu acredito que a gratidão dele foi exatamente igual a minha por ele. Está cada vez mais difícil achar pessoas que respondam a um boa tarde caloroso, quiçá quem dá um dedo de prosa em troca de prato de comida. Tomara que a gente possa se encontrar de novo. Se Deus me der dois meninos, um deles será Miguel e o outro Gabriel.