sábado, 7 de novembro de 2015

Que seja bom!

De tempos em tempos, mesmo sem saber exatamente quanto tempo leva esse intervalo, pra mim é preciso parar. Parar de pensar, parar de olhar, parar de sentir, parar para comer o que eu aprendi a fazer, parar para limpar o que eu venho sujando à algum tempo por menos que eu saiba o que isso significa assim de forma bem específica na métrica mais comum da sociedade atual. Parar. Parar de julgar, parar de sonhar, parar de querer, parar de fazer, parar de conter, parar de tudo. Quase morrer. E como se quase morrer pudesse ser menos escandaloso do que o próprio dizer da frase que nem mesmo acaba de ser lida e já é escrachada pelo pensamento de quem considera pouco convencional que se queira quase não viver para depois fazer seja lá o que esteja por vir. É um parar sem querer que seja pra sempre, um parar para valorizar o ir, um parar para sentir devagar a volta a si. É pouco perceptível porque só pode acontecer quando não se é preciso ir para o trabalho, para a escola, para a venda da esquina, para a casa de quem quer que seja. Ninguém espera nada de você nesse dia. Nem a sua presença, nem a sua ausência, nem o seu bem, nem o seu mal. Você está totalmente indiferente para o mundo e aí a sugestão é que você pare. E que se enxergar seja positivo, sentir a velocidade do seu respirar seja produtivo, se olhar e se entender seja benéfico e que o medo de não saber o que você quer venha a tona e não seja engolido por todos os outros apegos que se tornaram a sua razão de viver, mesmo que muito distante do que você nem sabe querer, nem visualiza à frente, nem almeja de corpo, alma, mente e pulsar. Que primeiro o tempo da parada seja convertido em tempo da descoberta do que realmente te faz feliz de verdade e que depois a retomada tome rumo e que o rumo seja exercitar o planejamento do seu coração em direção ao alvo. E que você conheça o alvo antes de morrer, seja ele dançar flamenco, seja ele viajar para o Egito, seja ele morar na Austrália, seja ele ter um cachorro, seja ele ter um filho, ler um livro, ficar rico, ou plantar uma árvore. E se você descobrir que nada quer, que esse nada preencha o seu coração com o sentimento genuíno que o nada conquistado era exatamente o objetivo. E que a sensação de objetivo alcançado seja a razão mais do que suficiente para que a sua mente se acalme, o seu sentimento de felicidade não se acanhe e que todos se contagiem com a sua leveza, destreza e fonte de inspiração. Que você se ame muito e que seja bom!

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

As voltas da vida

A vida tem as suas idas e vindas e nos adaptamos à esse vai-e-vem. É bem verdade que tentamos nos convencer o tempo todo que temos o controle em nossas mãos e mentes e, tão verdade quanto, é o fato que muitos discordam de mim quando eu discordo disso. Esse globo que chamam de terrestre gira como se fosse lunático e tudo parece se misturar para depois quem sabe quase se organizar com o próximo giro da bola gigante. As teorias não param de pairar pelo ar e as pessoas não se cansam de escolher uma delas para acreditar, defender e até se opor a quem acredita e defende teorias diferentes das suas próprias. Tudo isso parece muito complicado e pode dar um nó na mente de muita gente. O nó da mente que sente o embaraço do laço do presente é tão apertado quanto aquele que tenta prever o futuro. Aí é que fica nó cego, surdo e mudo. Que futuro sem graça esse que já está traçado, determinado, previsto e assegurado. Há muitos que discordam, mas eu tenho que admitir que gosto muito das surpresas da vida e não gostaria de viver sem elas. Algumas são horríveis e dá até uma vontade de mandá-las passear. Outras são tão boas que o desejo é de parar o mundo para nada sair do lugar. Uma desses surpresas foi mais doce que mel de abelha. O nome dela é Flor. E ela voltou. Inacreditável! Sabe aquele sonho que parece tão longe que você até desiste de dormir e se conforma em acordar? Assim era pra mim o retorno da Florzinha mais fedorentinha e amada desse mundo. Ela voltou para me fazer ser melhor. Daqui pra frente não tenho mais palavras. Prefiro agradecer ao universo e pedir para ele continuar a girar como peão.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Lemas e dilemas

Algumas pessoas estão diante da parte preta da bola e as enxergam assim. Bem preta. Outras estão olhando para a parte branca da bola e estão certas de que a bola não é e nunca foi preta. Algumas outras pessoas estão bem ali na divisa e enxergam a metade preta ao seu lado direito e a branca ao seu lado esquerdo. E os demais não concordam que a parte branca da bola esteja ao seu lado esquerdo e sim, ao lado oposto. Há alguém errado quando temos a visão do todo e sabemos que a bola tem duas metades sendo cada uma delas de uma cor e além disso, sabendo que o que cada um vê é realmente o que é possível ser visto naquela respectiva perspectiva? Todos estão certos a partir de seu prisma. Eu fui criada e até hoje sou sob o lema de termos que aceitar o outro como ele é. A parte da bola que eu consigo enxergar é que se todos me aceitarem exatamente como eu sou eu nunca vou ter estímulo nenhum para mudar. E a vida vai ficar uma chatice. Eu também fui criada sob o lema de não fazer aos outros o que você não quer que façam a você. Eu não quero que ninguém me aceite como eu sou. Eu quero que me tirem da zona de conforto, que me surpreendam, que me sacudam e que me mostrem de muitas diferentes formas que temos inúmeras formas de pensar, de agir, de amar, de sonhar e de nos sentirmos bem, ou mal. E é nesse momento que os dois lemas que foram base da minha criação entram em choque nos meus pensamentos. Não dá. Eu não me aceito como eu sou. Eu somente me amo. Mas não quero me aceitar do jeito que eu sou. Eu quero me incomodar. Eu quero me redescobrir e me aceitar de uma forma diferente para depois querer mudar de novo e me incomodar mais uma vez. E se eu quero tudo isso para mim mesma, imagina para as pessoas que eu tanto quero bem. Que maravilha que é se redescobrir, aprender o novo e o tão temível mudar! Nada mais incrível do que assumir o outro lado da bola e ver o mundo mais preto, mais branco ou mais preto e branco. Tudo isso é muito lindo na teoria. Na prática é feio. Lá vou eu me movimentar e sair da minha zona de conforto. Lá vou eu me expor diante de mim mesma e voltar melhor ou pior, mas diferente e consciente da necessidade latente de mudança. Vai ser incrível, mesmo que não seja bom em todos os momentos. O que não é bom faz a gente urrar de dor, mas tem que descer da árvore e encarar o mundo. E se escolher ficar na árvore vendo tudo de longe talvez possa se evitar a dor e quem sabe até o bote. Eu gosto do palco e não da arquibancada. Bora que o show vai começar!

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Ele é o tal!

Ele entra, se ambienta e arrebenta. Como se estivesse em casa ele escala a montanha que o separa da cadeira que tanto sonha em ocupar. A postura dele é por demais parecida com a do seu ídolo. Eu já o ouvi declarar repetidamente o seu amor por um deles em uma outra viagem. E tão freneticamente quanto a repetição exaustiva do eu te amo incansável, ele também insistia em apertar o botão que sinaliza para o motorista do ônibus que já é hora de partir após pacientemente esperar que o último pé do passageiro se descole do piso de lata do transporte que vai e que vem sem perceber que ele ocupou a cadeira tão sonhada. Para ele, a cadeira antes vazia de quem ele gostaria de ser foi um troféu conquistado. Ele cruza os dedos da mão e seu olhar imita com muita classe o jeito do cobrador que denuncia um ar investigativo sobre a vida alheia. Ele finge não saber de nada e o ar de responsabilidade de quem autoriza o motorista a seguir viagem é impagável. Ele é o tal! Ele tem síndrome de down. Ele me diverte, me faz acreditar ainda mais em sonhos, me deixa orgulhosa em saber que o simples ainda é percebido, curtido, valorizado e causa muito orgulho. Parabéns! Hoje você foi o cobrador da vez, me deu um boa noite ousado e seguiu orgulhoso rumo ao prazer de viver.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Essa menina sem seca

Foi assim que ele me definiu. Como se fosse hoje eu me lembro do seu corpo franzino, olhar doce e braços descansados sobre as pernas cruzadas. Não me sai da lembrança o carinho instantâneo e a identificação ligeira que tivemos um pelo outro. Eu cheguei, invadi a casa com data de última reforma estampada no alto da porta principal e pedi uma roupa emprestada para molhar na cachoeira dali. A sua amada esposa, com sua generosidade a flor da pele abriu o baú e me deu uma bermuda e uma blusa que sua filha havia deixado lá, caso precisasse quem sabe tomar um banho de cachoeira. Eu não esperei o dia esquentar, nem as vacas voltarem pro pasto e nem acabarem de dar o seu leite. Fui como se não houvesse amanhã. E o banho foi o melhor dos últimos tempos. A água que revigora, ao som da voz de Hélio que se impressionava com a minha entrega. Entrega ao poder da vida, à magia do estar vivo, à oportunidade de perceber que a morte ainda não chegou. E um dia ela chega. Ela vem assim como um bote de uma cobra sorrateira. Ela chega e vai embora. E ela leva com ela o Seu Antônio. O meu velhinho lindo de corpo franzino e mãos que descansavam sobre as pernas cruzadas. Essa danada dessa vida não me avisou que a visita à casa de Seu Antônio seria a última. Eu só tomei um banho de cachoeira lá. Ninguém mais sabida do que eu. Eu fui, eu me apaixonei por ele, eu tomei banho de cachoeira, eu gravei ele e a moda de viola dele com o sobrinho, eu cantei e me emocionei junto, eu caminhei com ele até lá no alto da montanha para vermos a plantação e eu adorei tudo a ponto de achar que estava sonhando. Que em meus sonhos nunca falte tudo de bom que vivi lá na casa de fazenda do interior de Minas Gerais. Saudades que nunca vão me deixar, igualzinho ao som da chuvinha que caia branda assistida da sua varanda com o senhor do meu ladinho contando histórias que eu já não me lembro mais.

domingo, 28 de junho de 2015

Quando o silêncio chega

O silêncio pode sim chegar com poucos avisos. A presença de um ou outro sinal bem nítido de que as coisas não estavam indo bem não se pode negar que existiu. Parece que muitos de nós só largamos os nossos afazeres quando não tem mais jeito, quando só nos resta chorar o leite derramado. Quando me deparei com o silêncio, a minha perna tremeu, meu peito bateu mais forte e as lágrimas rolaram bochecha abaixo. É importante chorar a perda do barulho, do grito, do jeito autêntico e assumido, da força da personalidade, do saber de tudo, do orar por todos, da presença de voz, presença de ordem, presença de amor no jeito mais particular de ser que alguém possa ter. Há frases inesquecíveis, histórias hilárias, casos já mil vezes replicados a espera de outras centenas de vezes a ser contado novamente. O silêncio do barulho mexeu comigo. Ela se calou. Talvez pela primeira vez na vida, por mais de algumas poucas horas ela se calou. Vê-la no silêncio foi dolorido pra mim. Tenho várias memórias e cem por cento delas muito engraçadas ou no máximo tragicômicas. Iara não senhor, DONA Iara. Ela era o melhor calendário que um dia existiu. Sabia todas as datas de aniversário, todas as datas de celebração de aniversário de casamento, não esquecia da data do divórcio de ninguém e sabia muito bem de todas as paixões e desamores da sociedade local e quiçá distante. Inesquecível. Cismou que eu nunca gostei de Tetê e mal sabe ela que atualmente esse é novamente o meu apelido no trabalho. Ela era umas das únicas que dizia meu nome duplo sem cortar nem o primeiro e nem o segundo. Era Maria Tereza o nome que ela insistia que todos repetissem. Ela falou que o Roberto não era de se jogar fora e que Miguel não era assim tão feio. E eles caíram na gargalhada, cada um na sua época. Todos riram dos casos dos seus cinco filhos, dos casos de seus pais, das histórias de seus netos e do seu Zé. O Zé da Iara sempre foi dela e sempre será. Mesmo que resolva não mais ser só dela, ela sempre será o Zé da Iara que fez de tudo de acordo com a vontade de sua Iara. Personalidade forte, perninhas tortas e uma gargalhada marcante. Cabelos brancos impecáveis e chamava quem quer que mexesse em suas madeixas de Seu Bosta sem pestanejar. Eu chego para visitá-la e depois de dar boas risadas de felicidade eu vou pegar um pouco de água na cozinha. E de repente ela grita: CREDO! Eu quase morro de susto, meu coração vai na garganta e pergunto a ela o que foi. Ela responde em alto e bom tom: QUE PAR DE PERNA GROSSA. Eu também chorei muito nesse dia, mas foi de tanto rir!!! Dona Iara para alguns, Tiara para outros, inesquecível para todos. Fique em paz! Te amamos!

domingo, 24 de maio de 2015

No ofenses

Eu gosto de algumas palavras e expressões na mesma medida que desgosto de outras. No ofense é um termo em inglês que eu adoro. A mim parece uma autorização plena de se dizer qualquer coisa em seguida, desde que a frase se inicie com essa expressão mágica. Que ninguém se sinta ofendido com o que eu vou escrever e só porque comecei a frase assim crio coragem para dizer que cozinhar é para quem gosta de correr riscos. Começa logo quando se escolhe o que vai ser preparado. Se pensar em culinária japonesa, pense também em quem vai convidar para degustar os bichinhos crus, porque um bom número de gente já deve desistir só de pensar no assunto. Podemos pensar em um belo prato árabe, um bom hamburguer artesanal, um escondidinho de seja lá o que for, e qualquer outra coisa que vier à mente. Sempre há quem seja todo cheio de restrições a gostos, texturas e temperos. Passado esse risco, sobram muitos outros. Mesmo que as pessoas gostem do prato, elas podem não gostar do seu prato. Tempero de mais ou de menos, textura certa ou errada, mais ou menos tempo de forno, mais ou menos quantidade de molho, de recheio, de cobertura, de tudo quanto há. O cozinheiro tem que ser muito corajoso e forte. O fracasso é quase inevitável e a sensibilidade que pode ser o trunfo para um sucesso absoluto em uma ocasião pode acabar com a sua carinha feliz logo na primeira garfada de quem não curtiu o que você fez. No entanto, na minha opinião, o pior de tudo é a neutralidade do ser humano. A pessoa come tudo mas não se emociona. Não tem nenhum comentário, nenhuma expressão facial, corporal, mental. Nada. A vontade interior é de perguntar. E aí? Curtiu? Achou gostoso? Mas isso é mais arriscado do que ouvir uai em Minas Gerais. Ao fazer essa pergunta aberta, as possibilidades de resposta são infinitas embora nada doa mais do que o comentário mudo. A pessoa não se manifesta pra lado nenhum. Nem acaba com você nem te elogia. Esse risco é o pior de todos porque além de não ter provocado o tão sonhado hummmm, nem mesmo a crítica te ajuda a mudar o rumo do barco na próxima viagem. Pra finalizar, vejo muita semelhança entre quem gosta de cozinhar e mulher de malandro. Ela sabe de tudo que pode dar errado e começa tudo de novo como se nunca nada tivesse acontecido. Tudo de novo, sempre. Mas nunca tudo igual sempre. Tá aí. O que move o mundo é a crença desde o começo que o melhor está por vir.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A princesa e o príncipe

"Tanto Amos como eu éramos pessoas críticas e dadas a discussões, ele até mais do que eu, mas durante os anos de nossa colaboração, nenhum de nós rejeitou de imediato nada do que o outro disse." A minha intenção era começar esse texto dizendo que a minha amiga Larissa me emprestou um livro e ao ler a página 13 eu me deparei com essa frase que diz muito sobre mim e algumas pessoas com as quais exercitamos sem esforço o não rejeitar de imediato o que o outro diz. No entanto, antes mesmo de dar continuidade ao pensamento que já se transformava em palavras eu me lembrei do porteiro do prédio da minha mãe. O nome dele é Jaílson e a minha mãe coloca um Seu na frente por um motivo incerto, mas provavelmente deva ser pela nossa famosa mineirice. Com seu ou sem seu, ele foi meu anjo da guarda por um dia. Eu fiz uma grande besteira com o carro do meu pai na garagem de casa de anão que o prédio dele me oferece. O carro caiu no buraco da garagem de prédio de anão e, quando eu já estava prestes a chamar os bombeiros heis que a porta bate e quando eu vejo sai de lá o meu príncipe do Ébano do mundo gay. Eu apostei todas as minhas fichas nele e deu certo. Ele desistiu de enfrentar a frieza daquela tarde em São Paulo rumo ao aconchego da sua liberdade pós horário comercial e decidiu ajudar a mim, a energúmena que deixa o carro cair no buraco entre a rampa de entrada e a vaga minúscula do prédio de anão dos meus pais. "Vem mais um pouco, só mais um pouco, para!, desenrola, desenrola tudo, pro outro lado, para!, tô pensando, mais um pouco pra cá, só mais um pouco, para!, deixa eu ver..." Esse riquíssimo monólogo não se transformou em diálogo até que, depois de muito deixar esperar o pobre condômino que saiu do seu apartamento com a simples intenção de sair da garagem para ir fazer sei lá o quê com a sua esposa, eu consegui! Nós conseguimos! O meu príncipe do Ébano do mundo gay me tirou dali! Uau! Que alegria. Pronto! Se já éramos muito educados um com o outro, viramos amigos! O melhor está por vir. Na minha visita corriqueira próxima, eu me dou conta que o porteiro da vez que estava dentro da cabine quentinha de vidros foscos e escuros era ele! Ah, que alegria! Tudo bem Seu Jaílson? Como vai a vida? E o senhor gosta de frio? E ele responde. Oi! Tudo bem! Ah, eu adoro! Me lembra Londres! Para quem conhece o meu jeitinho muito apelidado de tudo quanto é nome de rir, não vai ser difícil imaginar o volume no último da minha gargalhada ao ouvir que ele nunca foi pra Londres não, mas viu num filme! É de gente espirituosa assim, sem nem mesmo mencionar bondosa assim, que o mundo precisa. Amo muito tudo isso! Amo também pessoas como a minha amiga Larissa, que além de me emprestar livros, também é como eu uma pessoa crítica, posso até dizer que menos do que eu, e que nenhuma de nós, de imediato rejeita nada que a outra diz. Amizades profundas em tempos de cólera e em tempos de superficialidade eu não sei se serão tão comuns assim, mas que eu adorei ter conhecido a minha princesa dos países nórdicos, ah, isso é fato!

terça-feira, 19 de maio de 2015

Estive pensando nessa palavrinha aí, essa tal de fé, e me veio à mente as tantas vezes que eu já ouvi falar nela. Sou filha de uma família com descendências portuguesas desconhecidas nos hábitos diários, mas bem nítida na assinatura do meu nome que começa com Maria e depois de muito escrever termina com Guimarães. Acho que filha de turco é que eu não deva ser. E como boa mineira, minha família, principalmente por parte de mãe, tem muita relação com a igreja Matriz, com toda a pompa que esse título lhe reserva, lá do centro de Itaúna, lá em Minas. Eu ouvi pessoas rezarem durante toda a minha infância, vi benzedeiras curarem, familiares e amigos de familiares se empetecarem para irem à Matriz no domingo pela manhã. Íamos à pé. É um orgulho sem tamanho para mim poder dizer que vivi isso. Saíamos todos juntos, todos arrumados e unidos caminhando pela rua afora, pela pequena gigante Itaúna, conversando e nos vendo, rumo à igreja Matriz. Eu tenho lembranças incríveis dessas andadas que enchem meu coração de alegria . Íamos à igreja sim. Eu não me lembro do sermão do padre, mas eu me lembro dos momentos que vivíamos ao celebrar esse ritual que até hoje é tão importante para minha mãe. E muito se falava sobre fé. Tenha fé. Acredite. Não fraqueje na sua fé. Eu hoje não acompanho mais minha mãe nos rituais da igreja. Não vou à missa todos os domingos. Na realidade eu me lembro de ter entrado em algumas igrejas que estavam ao longo do meu caminho e ter tido um momento especial. Atualmente isso acontece esporadicamente e de forma imprevisível. No entanto, talvez por ter assistido à muitas missas durante a minha infância, ou talvez por ter aprendido que para algumas coisas resta apenas a crença no invisível, eu conviva bem com ideia de ter fé. Eu acredito que tudo que a vida me apresenta tem uma razão de ser. Eu nem sempre vejo o sentido claro e real das coisas, no entanto, o mais legal de tudo isso é que eu hoje não tenho interesse em vê-lo. A mim não faz diferença se o propósito de algo que me acontece é claro ou obscuro. Eu curto tudo. Tudo de bom que me acontece eu celebro e também sou grata a todas as frustrações que tenho. Pode parecer bem piegas (eu não sei bem o que essa palavra significa, mas gosto dela) dizer que o que de ruim me acontece aos meus olhos parece bacana, mas, sinceramente, do fundo do coração, eu estou bem orgulhosa de mim por não ficar triste e nem desesperada com tudo aquilo que normalmente seria motivo de muitas lágrimas e sofrimento. Eu tenho fé e acredito no que eu não vejo. Estou convicta que a felicidade é uma escolha. Eu escolhi ser feliz. É claro que não consegui sozinha. Mas escolhi pessoas que me ensinaram isso ao longo da vida. Eu escolho, ao acordar todos os dias, como o meu dia será. E ele será  sempre incrível, independentemente do que for apresentado à mim. A probabilidade de todos nós morrermos é muito alta. Faça escolhas todos os dias que prezem por fazer o que gosta, encontrar quem você ama e rir de tudo, o que pode até ser desespero aos olhos de muitos, mas pra mim, é só uma forma de ver o mundo.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Poderia ser um anjo.

O nome dele é Gabriel e poderia ser um anjo. Mas ele é o menino de 15 anos que parece ter 25 e que acha gente de 35 demasiadamente velha. Ele poderia ser um anjo, mas ele é o garoto que aos 14 anos sentou a cadeira da escola nas costas do diretor que o chamou de mendigo pegando-o pelo colarinho. Ele poderia ser um anjo, mas ele é o rapazinho que me pediu comida hoje pela sacada do restaurante em que eu estava a pensar na vida. Ele é o Gabriel de olhos arregalados que eu desconfiei estarem excitados pelo uso de algum narcótico. Se tem uma coisa que Gabriel nega é que usa drogas. Em contrapartida, ele não nega que acabou de perder a mãe esses dias pra trás e que acha que vai perder o pai que anda abusando da bebedeira. Ele não é mais o Gabriel que mora em Diadema. Agora ele mora na área do metrô Ana Rosa, em uma invasão ao lado de um lugar aonde há alguém que de vez em quando dá comida para ele e para outros. Ele tem uma cicatriz no rosto e apesar de ser um pouco franzino é forte o suficiente para conseguir honrar com a palavra que me deu ao apertar minha mão. Ele não vai se envolver com drogas. Ele vai tentar fazer algum trabalho para ganhar algum dinheiro. Ele vai pedir desculpas para o diretor da escola e tentar voltar a estudar. Ele me prometeu. E ele também me agradeceu. Não somente pela marmita do restaurante em que eu estava pensando na vida. Ele me olhou nos olhos, ele apertou minha mão que estava estendida, ele deixou o queixo cair um pouco porque ele estava um tiquinho espantado, apesar de agradecido. Eu acredito que a gratidão dele foi exatamente igual a minha por ele. Está cada vez mais difícil achar pessoas que respondam a um boa tarde caloroso, quiçá quem dá um dedo de prosa em troca de prato de comida. Tomara que a gente possa se encontrar de novo. Se Deus me der dois meninos, um deles será Miguel e o outro Gabriel.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Minha mãe!

Algumas pessoas bebem algumas cervejas ou algumas taças de vinho e querem fazer inúmeras coisas as quais o horário aqui não me permite citar. Eu também já tive esse momento. Mas hoje foi diferente. Após algumas tentativas de digitar login e senha em vão, eu consegui acessar à minha página em branco. E parece que isso é tudo o que eu preciso na vida. Uma página em branco. Pronta e disponível para o meu recomeço. Eu não sou uma pessoa só. Mas, definitivamente, sou a pessoa que nunca esquece o "asdfg" do teclado, mesmo na sequência de algumas taças de vinho deliciosamente branco. Impressionante. Não conseguiria ir em linha reta do escritório da minha casa até o quarto, mas as sequência das letras desse teclado não saem da ponta do meu dedo. Deve ser o destino me dizendo que ainda serei um escritora bem famosa! E se eu não for uma escritora bem famosa nessa vida, não tem nenhum problema. Eu já sou tanta coisa, que ser uma escritora bem famosa seria simplesmente algo para massagear o meu mortal e inútil ego.
Eu sou uma excelente filha da minha amada mãe. Eu hoje, depois de muitos e muitos anos, consigo ter a mesma relação que tenho com minha mãe do que na idade de uns 10 anos de idade. Eu chutei a idade porque sou uma pessoa sem memória para números. Mas eu me lembro como se fosse antes de ontem, quando eu chegava de algum lugar que tem grandes chances de ser a escola e, ao tocar a campainha, encontrava aquela mulher linda, saída do banho, com um vestido de gola na altura do joelho e com botões na altura do peito. Eu nunca vou me esquecer dessa cena. Eu chegava um pouco ofegante ao quarto andar de um prédio de escadas e ela abria a porta pra mim. Ela me abraçava e me dava um beijo. Nossa, quanto amor. Que sensação maravilhosa é poder ter na minha memória a cena do amor. Ela é a representação mais plena do puro amor. Ela ouve as minha estórias, os meus casos, as minhas aventuras, as minhas derrotas, as minhas vitórias e até mesmo as minhas invenções, sempre com um ar de defesa do meu ponto de vista, do jeito que eu pensei e da minha razão. Mesmo que eu não a tenha. Ela é minha, sempre minha. Eu acredito muito na vida. A vida me ensinou tanta coisa. E como eu errei. Graças a tudo o que é mais sagrado, eu errei muito. Eu não fui certinha. Felizmente eu não fui. E, esse felizmente, se justifica por ter dado a oportunidade de ter aprendido muito com quem foi mais lúcido do que eu em momentos que eu não optei por ser convencional. Minha mãe sempre acreditou em mim. Sempre. Mesmo quando nem eu mesma achava que eu era capaz. Existe algum amor no mundo maior que esse? Não existe! Eu digo e afirmo isso no auge da minha insensatez. Minha mãe, meu amor, a doação constante e incessante de vida, de crença, e, minha fã número um.
Meu eterno exemplo de doação, de doação e de doação. Eu te amo! Obrigada por me amar tanto assim!

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Ciclovida

Uma ciclovia foi sinalizada, equipada com cones e homens, faixas e cores, sorrisos de bom dia e ficou bem bonitinha. Ela tem um caminho traçado, protegido e previsível. É seguro. Depois de subir a rua, dobrar uma ou duas esquinas e enxugar o suor que a ladeira me deu, eu pego a bike na estação do Itaú. Faço questão de dizer a marca porque é uma das melhores campanhas de marketing que já vi. Acesso o aplicativo, libero a bike, coloco minha bolsinha de ciclista na cestinha e vou seguindo os indícios que me levavam a crer que atravessar a Avenida Paulista pelo chão vermelho da ciclovia seria o mais indicado. Segui até o fim e fiquei super empolgada com a possibilidade de descer o túnel e pegar a Avenida Rebouças. Empolgação vai pro nível zero quando a ciclovia faz uma contida curva e eu me vejo fazendo o retorno para a Avenida Paulista. Eu me esforcei para ficar ali, mas iria voltar para casa com a sensação de frustração que eu não queria. Querer é poder e não querer chega a ser mandato vitalício no controle do rumo da vida. Atravesso a Avenida e saio da ciclovia. A sensação de liberdade toma conta de mim e a partir dali eu decidiria o meu caminho. Lindo! Desço a rua até o final e visito um oásis verde e calmo. Aranhas, gente, cachorros, gente que senta pra conversar, mendigos que deixam os seus castelos de papelão para passear de mãos dadas e bikes que giram seus pneus procurando a direção contrária do vento. O caminho é meu. Eu subo, desço e desapareço. Apareço na estação do Itaú que me convém, devolvo a bike e sigo minha corrida de vinte minutos até que as ruas se tornam familiares. Digo bom dia ao porteiro, abro as janelas do ap e sigo estudando custo de oportunidade em economia.